investigação e big techs (anotações da Abraji – parte 1)
abrindo meu bloquinho de anotações do maior evento de jornalismo investigativo do Brasil
📌o que tem aqui: highlights de como aproveitei o 18º Congresso da Abraji com ênfase para temas relacionados à minha pesquisa.
📝uma lição: revisitar anotações e fazer buscas extras após um evento – o que eu fiz muito em função aqui da /minuta – é excelente para otimizar a participação em um evento.
🎧 hoje também com o recurso da narração | com trechos de áudios da transmissão da Abraji
direto ao ponto: faz um mês que eu participei do congresso da Abraji, que este ano aconteceu na ESPM, em São Paulo. eu fiz algumas anotações a partir do que eu vi por lá e quero registrá-las aqui e compartilhar com você. nessa edição tem alguns resumos ou impressões das atividades, mas também tópicos para pesquisar e amadurecer, sem muito engessamento.
o evento foi e n o r m e, então acabei dividindo o que seria uma edição em três – o milagre da multiplicação. a divisão ficou assim:
parte 1 – o que vi e tem mais relação com platform beat (esta aqui que você lê);
parte 2 – o que apresentei no seminário de pesquisa dentro do evento;
parte 3 – pinceladas de atividades que vi lá ou assisti depois online + meu balanço.
vamos nessa! 🙋
1. cobrir radicais e apontar lucro das plataformas com desinformação
👥 quem estava: a divertidíssima e multimídia Carol Pires e o experiente Alexandre Aragão. Saulo Guimarães do UOL mediou.
🍻 o clima: os ares de papo de boteco reinaram, só com assuntos leves para jornalistas, como neonazismo e bolsonarismo.
→ a trajetória da carreira de Alexandre Aragão é curiosa para pensar a especialização na cobertura das big techs. ele foi repórter de tecnologia na Folha, depois começou a cobrir política e destacou o fato de, ao longo da última década, unir esses dois mundos. quando o questionei sobre como ter coberto tecnologia o ajuda a cobrir as plataformas, ele revelou que foi o trabalho em outra frente que mais o gabaritou para isso: ter atendido as seções brasileiras de empresas de plataforma quando trabalhava para o serviço corporativo do Jota.
🎧 ouça também na versão em áudio [a partir de 3:08]
A visão principal que eu tenho hoje em dia, [depois] de ter trabalhado um pouco fora do editorial, com as empresas [de tecnologia], é que elas têm muito mais essa visão de uma um gerenciamento de risco reputacional do que necessariamente querer resolver os problemas [da desinformação e outros].
Alexandre Aragão, após trabalhar como gerente de customer success no Jota
→ Carol Pires deu exemplos de entrevistas com fontes com discursos radicalizados e ilustrou que são pessoas capazes de lhe receber em casa com ‘chazinho’ e recepção dos poodles. moral da história: é possível falar de desinformação com uma narrativa sobre algoritmos, teorias da comunicação e responsabilização das plataformas, mas também traçando perfis de quem move a máquina, nem sempre pessoas com estereótipo de louco ou hackers, como força o imaginário coletivo, mas muitas vezes mais próxima de uma tia simpática ou do tiozão descolado que aprende receitas no YouTube. essas histórias de vida me parecem também sobre os impactos sociais da plataformização.
links e buscas relacionadas
Carol Pires e seu encontro com um jovem cientista e militante político que virou especialista em criar desinformação – Podcast Rádio Novelo Apresenta;
Documentário extremistas.br – Globoplay (quero ver);
Alexandre relatou que fez uma das primeiras coberturas nacionais sobre deep web – Folha;
Radar – sistema de monitoramento multiplataforma do Aos Fatos;
Não conhecia essa apuração: Jusbrasil é fonte de desinformação – Aos Fatos. (bastidor: parece que a assessoria não levou muito a sério que esse era o foco da reportagem).
2. PL 2630: discutindo a lei que regulará as plataformas
👥quem estava: Cristina Tardáguila (da Lupa – direto de Seul, participação remota), Francisco Brito Cruz (InternetLab – para acompanhar, ótimo debatedor), Patrícia Campos Mello (Folha - bem por dentro da cobertura das big techs), Pedro Dória (Meio). mediador: Rafael Georges (Luminate – não conhecia essa org.).
⚔️o clima: treta estilo morde e assopra e, tal como a tramitação do próprio PL, confusão em relação aos caminhos e soluções possíveis.
extra: o debate aconteceu um dia após se saber que Michel Temer foi contratado pelo Google.
Se você não sabe o que é o PL 2630, pedi para os chatbots explicarem em um tweet. aqui as respostas: 1) ChatGPT – genérico; 2) Bard – mais completo e Wikipédia como fonte.
→ poucos consensos, mas um deles é que a principal dificuldade é a necessidade de negociar e ter que agradar tantos setores. a tramitação pode ser dividida em fases em escalas lavajatistas, sempre tentando atingir um alvo em movimento: primeiro ia combater fake news, depois impedir golpe de estado, punir as plataformas, remunerar empresas de jornalismo, pagar diretamente aos jornalistas, garantir imunidade parlamentar, evitar ataques em escolas… as expectativas são tantas que já se vê desmembramentos do texto.
→ outra certeza dos palestrantes é que, tal como há claras influências das legislações da União Europeia e da Alemanha na discussão em Brasília, há grandes anseio para que o Brasil não erre, já que seu texto deve influenciar a legislação de outros países da América Latina.
→ claro embate de ideias entre Cristina e Patrícia com pedidos para "ninguém sair do grupo". resumidamente e sem transcrição literal, o que elas defendem é:
Tardáguila: lei não necessariamente reduz desinformação, mas periga desembocar em censura ou privilégios. o texto atual foi feito sob medida para punir plataformas, deixando de fora outros "stakeholders" (jornalistas inclusos) e sem focar na educação midiática, que seria mais eficiente e que poderia ter campanhas tal como uso de camisinha.
Campos Mello: educação midiática não necessariamente reduz desinformação, tem que ter mesmo é lei para que a falta dela não deixe brechas para ações como Xandão/STF legislando sobre o que as plataformas devem ou não fazer, medidas provisórias ao bel-prazer do Executivo da vez ou malabarismo com a legislação sobre direito do consumidor.
o que você pensa sobre essas duas visões? comenta aqui
→ Pedro Dória parece ter se embolado um pouco ao defender que cada um deveria poder escolher que algoritmo (de seleção de conteúdo, imagino) usar em suas redes. ele deu como exemplo a possibilidade de usar o algoritmo construído por seu time de futebol ou de sua igreja ou de um clube que visita. confrontado por uma pergunta da plateia sobre possibilidade dessa ideia ampliar radicalização em bolhas justificou que "todo mundo acha que está sendo seu próprio editor, mas não está fazendo escolha nenhuma". mais transparência dos mecanismos das plataformas me parece mais eficiente que linhas de código desenvolvidas pela IURD ou pelo Vitória.
"para que a democracia funcione a gente não pode se comunicar com uma máquina cujo algoritmo fomente o dissenso e combata o consenso, que amplie as vozes dos radicais e cale os moderados"
Pedro Dória no seu papo 'nem de esquerda, nem de direita, eu sou do Meio'
(pode ou não conter ironia. escolha).
→ Chico fez um bom resumo do que deveria ser a mirada da lei: regular agentes privados em relação ao cumprimento dos direitos humanos.
dois passos atrás: Chico acha que o Marco Civil da Internet (de 2014) é um piso, uma fundação, para as discussões atuais, mesmo com o otimismo que ainda contagiava a todos sobre o futuro do ambiente online. recuperar essa tramitação e traçar paralelos pode dar bons insights.
🧐 análises devem levar em conta que a aprovação no Senado se deu ainda com os senadores trabalhando de modo remoto, lembrou Chico.
🧐os patrocinadores platina silício seria mais divertido do evento eram apenas o Google e a Meta e até o TikTok tinha sua marca exibida no palco como patrocinador ouro. foi o que destacou a jornalista Daniele Madureira (Folha) quando fez perguntas na plateia. volto a falar disso na parte 3.
3. Núcleo e o debate sobre qualidade com ChatGPT nas redações
👥 quem estava: Sérgio Spagnuolo (Núcleo Jornalismo), Tshepo Tshabalala (gerente do JournalismAI) e Jonathan Soma (professor que ensina programação para jornalistas). Lori Regattieri, da Mozilla Foundation, mediou.
🤩 o clima: otimismo (creia!)
não estou tão conectado/interessado no debate sobre IA, confesso, mas fui ver essa mesa por conta da participação do fundador do Núcleo, veículo brasileiro que cobre as plataformas, por isso, aqui vai uma declaração dele que me rendeu a mesa:
🎧 ouça também na versão em áudio [a partir de 13:25]
jornalismo é um péssimo negócio para ganhar dinheiro. eu amo jornalismo, a gente tem uma organização com quinze pessoas, eu emprego quinze pessoas, eu e meus sócios, e é muito difícil você manter. a gente vende serviço de tecnologia, tem assinatura… ontem me perguntaram qual o modelo de negócios do Núcleo, eu respondi: 'todos'. a gente só não vende o nosso jornalismo. a gente faz investigação para falar o que está acontecendo com as big techs e os impactos delas. a qualidade para a gente é um negócio absurdo. as nossas reportagens e investigações passam por duas, três edições. a gente checa tudo. meu ponto de vista é qualidade. […] a gente tem uma audiência baixíssima, mas a gente já foi citado em CPI, a gente já ajudou a derrubar grupo de pornografia em rede socia. […] a gente aceita 'grant' de big tech, embora eles não apitem em nada do que a gente faz, nem no produto, a gente sente que eles têm o dever de ajudar a financiar muita das coisas que a gente faz para botar eles em 'accountability', responsabilizar as plataformas.
Sérgio Spagnuolo, editor do Núcleo Jornalismo
resumão: equipe do núcleo: 15 pessoas. preocupação maior em impacto e menor em audiência, considerada baixa. big techs financiam, mas não fazem mais que obrigação.
links e buscas relacionadas
desde maio o Núcleo tem uma política de uso de IA (parece o primeiro veículo br a fazer isso). Sérgio disse que o "documento é flexível" e está aberto a mudanças conforme se avança no debate sobre o tema.
a OpenIA é controlada pela Microsoft? uma dúvida que surgiu durante o debate. parece que não, há uma divisão entre igreja e estado, parece, a organização que desenvolve é sem fins lucrativos e há uma divisão mais comercial, essa com acordos com a Microsoft, mas é algo para entender melhor depois – Bloomberg Línea.
se você se interessa por IA/ChatGPT, deixei outras anotações que fiz sobre o tema aqui no notion (não muito organizadas/revisadas).